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ARSA, I.P. entrevista Professor Manuel Lopes, agraciado com Medalha de Ouro dos serviços distintos do Ministério da Saúde - 40 Anos de Academia ao Serviço da Saúde
Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. entrevistou o Professor Manuel Lopes, no âmbito da homenagem atribuída. Distinguido com a Medalha de Ouro dos Serviços distintos do Ministério da Saúde, partilhou a sua trajetória de 40 anos de vida profissional (como se lê no admirável curriculum vitae que adiante apresentamos).  



PERGUNTAS & RESPOSTAS 



ARSA: Bom dia Professor Manuel Lopes, antes de mais agradeço ter-nos recebido para esta entrevista. Falaremos sobre a trajetória pessoal e profissional, tendo sido galardoado pelo seu trabalho, que presta com sentido de serviço público, e que o destacou, em determinadas áreas, com medidas relevantes na área da saúde pública e assistência social. 


Em 2013 foi responsável por um projeto relacionado com o envelhecimento ativo e ao longo dos anos tem abordado a temática dos Cuidados Continuados e Cuidador Informal, numa perspetiva dinâmica e de futuro. 


Não resisto a partilhar que ao entrar na Escola de Enfermagem, deparei-me com um grupo de pessoas a participar numa aula de ginástica no jardim, não me pareciam alunos... 


ML: Bom dia, agradeço o convite para a entrevista. Tem razão, não são alunos embora os possa incluir, são funcionários e participavam nas aulas de ginástica laboral no âmbito da Universidade Saudável. Pretendemos com este projeto criar condições de trabalho e promover a adoção de hábitos de vida saudáveis por parte da comunidade académica. Desde 2016 que o projeto Universidade Saudável existe na Universidade de Évora.  Estas aulas decorrem durante os dias da semana, para todos colaboradores que quiserem participar e incentivamos a que isso aconteça. 


ARSA: Muito interessante, o bem-estar físico e mental é sem dúvida uma excelente política de recursos humanos, parabéns!  


Agora que nos esclareceu sobre esta iniciativa, para que possamos conhecer melhor o Professor Manuel Lopes, gostaria que se apresentasse. 


ML: O meu nome é Manuel José Lopes. Nasci na Beira Alta, em 1961, mais precisamente numa pequena aldeia do concelho de Celorico da Beira, na terra do “bom queijo da Serra” risos. Desde 1983 que estou a viver no Alentejo, mas considero-me um Cidadão do Mundo. 


ARSA.: Porque é que se considera um Cidadão do Mundo? 


No meu percurso académico, que completou em 2022 40 anos, estudei e desempenhei funções em diversas regiões de Portugal.  Sou Professor Coordenador Principal (equivalente a Profº Catedrático) da Universidade de Évora – Escola Superior de Enfermagem de S. João de Deus. Completei o Título Agregado em Enfermagem em 2020, pela Universidade de Lisboa e o Doutoramento em Ciências de Enfermagem, em 2005, pela Universidade do Porto – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Em 1998, tirei um Mestrado em Ciências de Enfermagem, na Universidade Católica Portuguesa. 


Adicionalmente colaborei com diversas universidades de outras partes do mundo, o que me permite ter uma visão mais ampla e diversa. 


ARSA:. Foi ainda consultor da DGS e membro da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia, certo? 


Sim, fui consultor da Direção Geral da Saúde em 2013-2014. Sou vogal da direção da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia e faço parte da coordenação do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). Este Observatório produz todos os anos um relatório -  Relatório Primavera. O OPSS é constituído por investigadores e instituições académicas que estudam os sistemas de saúde e que anualmente produzem um documento, que tem como finalidade facultar a todos aqueles que podem influenciar a saúde em Portugal, uma análise precisa e independente da evolução do sistema de saúde português e dos fatores que a determinam. 


ARSA.:. Onde iniciou a sua vida profissional? 


ML: Iniciei-a no Hospital Psiquiátrico do Lorvão, mas na altura ainda havia o serviço militar obrigatório e logo após terminar o curso de enfermagem e começar a trabalhar, chamaram-me para ingressar no serviço militar. Fui incorporado e, após a recruta, fui colocado no Hospital Militar de Évora, em 1983, onde trabalhei acumulando com o Hospital do Espírito Santo de Évora (HESE). No fim do serviço militar estive cinco anos a trabalhar a tempo completo, no HESE. 


ARSA.: E prefere a área clínica ou académica? 


ML.: Temos sempre uma nostalgia da clínica. Quem trabalhou com doentes sente falta. Tentei compensar essa lacuna através da proposta de criação de uma consulta de Relação de Ajuda destinada a pessoas sujeitas a cirurgia mutilante. Durante algum tempo mantive a consulta nas minhas horas livres, porque, no caso da enfermagem, a carreira de docência e clínica não podem ser acumuladas, ao contrário da medicina.  


ARSA.: A carreira de docência tem mais aliciantes… 


ML.:. Desde 1988 até 2023 houve uma revolução profunda no ensino. Quando comecei (1988) a Escola de Enfermagem onde estamos ocupava o R/C, apenas com 1 turma por ano (90 alunos no total), não sendo o curso de Enfermagem considerado um curso superior. Em 2023 temos 600 alunos, sendo o curso uma Licenciatura. Temos ainda Pós-Graduações, Mestrados e Doutoramento, o que obrigou a que a escola ganhasse uma dimensão diferente. 


ARSA.: Como pode resumir esse caminho, essa evolução? 


ML.: A escola já tinha este ritmo, todavia, com a integração na Universidade de Évora, em 2005 verificou-se um verdadeiro boom, tendo sido um caso de sucesso, a meu ver, a melhor integração  realizada a nível nacional. 


ARSA.: Porquê Professor? 


ML.:. Porque, em nenhum momento, a Universidade desaproveitou o que tínhamos de melhor e ajudou-nos a desenvolver nas áreas em que mais precisávamos. Por exemplo, do ponto de vista científico ainda precisávamos muito para nos desenvolvermos, mas a Universidade deu-nos capacidade para crescer.  


Esse crescimento permitiu-nos criar o Centro Investigação (Comprehensive Health Research Centre), que funciona há 4 anos (envolve a Universidade de Évora e a Universidade Nova), e que foi avaliado como Excelente pela FCT. Tendo por base esse desenvolvimento criámos ainda um Laboratório Colaborativo (CoLab Trial) e um Laboratório Associado (REAL). Todo este desenvolvimento alavancou a criação do Doutoramento. 


Na Enfermagem existem 3 grandes Escolas: Lisboa, Porto e Coimbra, sendo a de Évora uma pequena Escola. Apesar disso, e do ponto de vista da oferta formativa (dispomos de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento), das estruturas que criámos, da produção científica e da projeção na sociedade, ombreamos com as melhores. 


ARSA.: A Escola de Enfermagem de Évora é um caso ímpar de sucesso. 


ML.: Sim e a nível nacional.  


ARSA.: Antes de começarmos a nossa entrevista, fui visitar os espaços da Escola de Enfermagem e fiquei impressionada com os Laboratórios de Simulação. Pode-nos falar um pouco sobre estes espaços à disposição dos alunos? 


ML.: Bem, estes espaços são fundamentais. Neste momento, nenhum estudante vai para a clínica sem previamente ter treinado nos laboratórios de simulação e ter sido avaliado positivamente.  Mas não se resume aos alunos, no meu ponto de vista é absolutamente essencial ao longo da vida profissional. Todos os profissionais de saúde têm que ter competências por exemplo em suporte básico de vida. Neste caso temos um núcleo de Suporte Básico de Vida que partilhamos com o Hospital. 


ARSA.:. Pretendia alargar este exemplo a outras competências? 


ML.: A proposta que faço é que tenhamos coragem de fazer um Centro de Simulação comum entre a Universidade e o Hospital do Espírito Santo de Évora. 


ARSA.:. Estes espaços de simulação existem nos Hospitais Privados? 


ML.: Sim, no Hospital da Luz, por exemplo. Foi criado um Centro de Simulação essencialmente para os profissionais, embora, ao que julgo saber, os alunos da Universidade Católica também frequentem algumas vezes. 


A atualização das equipas é fundamental. Surgem sempre novas técnicas, o que exige treino em espaço simulado. O erro é um excelente acelerador da aprendizagem dos profissionais, mas esse erro não pode ser um risco para o doente, devem por isso ser criadas condições para a tentativa e erro na simulação. 


ARSA.: Considera que este momento era o ideal para esta mudança no ensino e nas mentalidades, atendendo a que temos um Novo Hospital Central do Alentejo a ser construído? 


ML.: Claro que sim e estamos a trabalhar nesse sentido. O Novo Hospital de Évora deve ter esta capacidade, mas sendo um grande investimento, tem que ser estruturado. Não existe em toda a região Sul nada semelhante. Era muito importante ter uma relação de estabilidade entre estes dois parceiros estratégicos que abrangesse a formação e a investigação. Ao mesmo tempo que permitisse maior miscigenação entre a clínica e a academia e vice-versa.  


ARSA.:. Foi um visionário, nesta área. É muito dinâmico. Que outras ideias foram implementadas e que não tenham tido aceitação imediata? 


ML.: Temos o exemplo do Mestrado em associação com outras instituições de ensino superior, para dar resposta a todas as áreas de especialidade em enfermagem. Não seria possível a uma pequena escola ter um mestrado por cada área de especialização. Então propus um mestrado com um tronco comum inicial, após o qual cada estudante deriva para a área que escolheu. Propus ainda que o mestrado fosse oferecido em associação entre as diferentes escolas da região. Após a resistência inicial, seguiu-se a aceitação e neste momento é um caso de sucesso englobando: Évora, Beja, Portalegre, Setúbal, Castelo Branco e Algarve. Temos centenas de estudantes e oferecemos formação especializada em todas as áreas. 


ARSA.:. Porque é que esta ideia não foi aceite de início? 


ML.:. Porque se entendia que Évora teria alguma ideia hegemónica em relação a outras escolas. Verifica-se agora que esse receio não corresponde à realidade vivenciada. Verifica-se ainda que contribuiu para o desenvolvimento de todas as escolas e mesmo da economia local uma vez que a Escola de acolhimento é rotativa.  


ARSA.: O Doutoramento também é em associação? 


ML.: Sim, envolve a Universidade de Évora e a Universidade Nova de Lisboa. 


ARSA.: Afirmou que tem uma matriz inovadora, pode explicar-nos? 


ML.: Sim, é transdisciplinar, ou seja, faz apelo à necessidade da conjugação sinérgica da pluralidade de saberes das múltiplas disciplinas da área da saúde como forma de enfrentar problemas complexos. Por isso aceita qualquer profissional de saúde e confere grau em três diferentes áreas de especialidade de acordo com a opção do estudante: Ciências da Saúde, Enfermagem e Tecnologias da Saúde. 


ARSA.: A formação conjunta é, na sua perspetiva, o que diferencia este doutoramento? 


ML.: O espaço de formação conjunta é fundamental para se aprender a trabalhar em conjunto. As equipas em contexto clínico são multidisciplinares e assim devem ser as formações, quando é possível. Mas também a perspetiva epistemológica transdisciplinar é diferenciadora. 


ARSA.: Esta formação conjunta está a funcionar desde quando? 


ML.: Desde 2021. Neste momento temos as candidaturas abertas para a 2ª edição do curso. Há o envolvimento de várias Unidades Orgânicas. É um Doutoramento em que o Semestre letivo Teórico é comum a todos. Depois a especialidade de cada um é que distingue o que vão estudar. Há uma perspetiva interessante de cooperação competitiva. 


ARSA.: Foi homenageado com uma medalha de ouro, tendo-se destacado na reforma dos cuidados continuados.  


ML..: Sim. Dizer que estudamos há muitos anos a problemática da multiimorbilidade e dependência, principalmente das pessoas idosas. Por tal razão (penso eu), comecei por ser convidado para consultor da Direção Geral de Saúde para a área do envelhecimento, e mais tarde para coordenar a reforma do SNS na área dos Cuidados Continuados Integrados. Portanto, presumo que me reconheciam competência nessas áreas! O trabalho que foi feito foi, basicamente, a tentativa de adequar as respostas a uma nova realidade epidemiológica.  


ARSA.: Houve uma transição epidemiológica que o SNS não acompanhou? 


ML.: Passados 50 anos, o SNS como o conhecemos, não mudou muito, principalmente se considerarmos a adequação à nova realidade epidemiológica – multimorbilidade e dependência. Precisamos por isso de novos modelos de cuidados. Os que existem estão vocacionados para a doença aguda e, na verdade, para responder a esta nova realidade precisamos de modelos que garantam a integração e continuidade de continuados. Até porque são as pessoas com multimorbilidade e dependência os maiores consumidores de cuidados. Ora isto exige mudanças e consequentemente coragem política para as fazer. 


ARSA.: Tem uma equipa com capacidades, como descreveu, como vê o futuro? 


ML.: A minha equipa de investigadores tem uma capacidade fantástica. São pessoas dedicadas e que pensam e discutem as questões, estou rodeado de pessoas boas. A sementes estão lançadas para o futuro.  


ARSA.: Qual a mensagem que gostaria de deixar no âmbito desta homenagem? 


ML.: De agradecimento, pelo reconhecimento e de esperança no futuro. Acredito que quando nos reunimos com as pessoas certas e alinhadas, quando nos permitimos definir objetivos estratégicos e projetamos o futuro, ele acontece de forma positiva. O novo Hospital em Évora permitirá uma filosofia alinhada entre a academia e a clínica e que vai para além das paredes de um edifício. Será absolutamente imprescindível conseguirmos ter várias profissões de saúde a partilhar espaços de aprendizagem comum. Os colegas respeitam-se quando têm desafios em conjunto.  


A nova Escola de Saúde será também um elemento determinante na implementação destas novas filosofia e pedagogia. 


ARSA.: Muito obrigada, Professor Manuel Lopes. 


ML.: Boa tarde, até breve. 


 


Évora, 17 abril 2023 













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