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ARSA, I.P. associa-se à homenagem do Ministério da Saúde - Dra Isabel Pita, Especialista em Anestesiologia, distinguida com Medalha de Ouro
ENTREVISTA 

 

A Administração Regional de Saúde entrevista a médica anestesista, Dra. Isabel Pita, distinguida com a medalha de Ouro dos Serviços Distintos do Ministério da Saúde. 

Estamos aqui hoje, dia 13 de abril, para falar com uma pessoa muito especial, homenageada pelo Ministro da Saúde, no passado dia 5, a Dra. Isabel Maria Barata Salgueiro Pita Santos Silva, que amavelmente nos abriu a porta da sua casa e nos concedeu uma entrevista. 

Isabel Pita, como é conhecida, nasceu no ano de 1952, em Lisboa, tendo-se formado na Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1976.  

Em 1977 começou a sua carreira nos antigos Hospitais Civis de Lisboa (HCL), onde o Hospital de S. José era o primeiro de uma longa lista de hospitais, o Desterro, D. Estefânia, Santa Marta, Curry Cabral e Santo António dos Capuchos. Os HCL eram muito exigentes, sendo uma escola para formação dos médicos que pretendiam especializar-se. Tinham uma seleção rigorosa nos seus quadros e marcaram a saúde em Portugal. ​


Perguntas & Respostas: 

ARSA - Boa tarde, Dra. Isabel Pita, disse-nos que começou a trabalhar nos antigos Hospitais Civis de Lisboa, em que Hospitais? 

IP – Trabalhei em todos os Hospitais que faziam parte dos Hospitais Civis de Lisboa, percorri vários serviços, tendo escolhido a vaga do Hospital D. Estefânia. 

ARSA – A sua carreira iniciou-se antes da criação do SNS, como se viviam esses tempos? 

IP – Em 1977 não havia ainda O Serviço Nacional de Saúde (SNS) como o conhecemos. A assistência médica competia às famílias, instituições privadas e aos serviços médico-sociais da Previdência. O Estado assistia os mais pobres.  

Havia, no entanto, um precursor do SNS, O Serviço Médico à Periferia (1974-1982). Em 1977, eu e o meu marido - que estudou comigo medicina - viemos para o Alentejo, com o nosso filho (3 anos) mais precisamente para Estremoz.  Na verdade, eramos um grupo de 10 médicos no total, todos jovens e com filhos. Foi muito interessante, um tempo magnífico, onde os médicos novos vinham para a periferia, durante 1 ano, para fora dos hospitais onde estavam integrados e prestavam cuidados às populações, nas aldeias (consultas nas Casas do Povo) e no Centro de Saúde, consultas e urgências (365 dias no ano). Íamos muitas vezes de bicicleta para o trabalho (vivíamos a uns 3 quilómetros do centro de Estremoz), com o nosso primeiro filho ainda pequenino. ​

ARSA – Foram tempos de muita alegria e descoberta, mas também de muito trabalho e sacrifício? 

IP - Não me recordo de sentir esse sacrifício. Tínhamos grande sentido de serviço público, muitos de nós começávamos a ter mais apetência para algumas especialidades e desenvolvíamos conhecimentos, através da experiência e dos ensinamentos dos colegas mais velhos, que muito nos apoiavam. 

ARSA – Como colocavam essas dúvidas, onde?  ​

IP- Aos sábados, íamos a Lisboa, e no Hospital de S. José, em reunião com os colegas mais experientes (ainda se trabalhava aos sábados de manhã), levávamos os processos dos doentes mais complicados, muitas vezes os próprios doentes iam a Lisboa, e decidiam-se os casos difíceis. Foram, por estes motivos, tempos irrepetíveis.

ARSA - Na sequência do Despacho Arnaut, em 1979, é aprovada a Lei de Bases da Saúde, e é criado o Serviço Nacional de Saúde... 

IP- Exatamente, e é nessa altura que surge o Clínico Geral. Até essa data não havia. 

ARSA – Passado um ano voltou para Lisboa? 

IP – Sim, fomos novamente para os Hospitais Civis e tirámos a nossa especialidade, eu anestesiologia e o meu marido, cirurgia geral. 

ARSA – Porque escolheu anestesiologia? ​

IP – (risos), Não sabia bem o que era ser anestesista, mas durante o estágio de cirurgia no Bloco Operatório de S. José, conheci uma médica anestesista que muito me motivou. Ensinou-me imenso e incentivou-me a seguir a especialidade. Falava com tanta paixão que me decidi, e não me arrependo. É fascinante e evoluiu imenso. Não há comparação com os ensinamentos iniciais da anestesia nos anos 80. 

ARSA – Pode dar-nos um exemplo dessa evolução? 

IP - É uma evolução impressionante. Sabe os aparelhos de medir a tensão? São usuais na atualidade, todos temos acesso, digitais, fáceis e rápidos. Naquele tempo, para monitorizar os doentes antes da anestesia, para medir a tensão tínhamos aparelhos manuais, com coluna de mercúrio.  ​

A época digital de monitorização contínua e de parâmetros complexos, não tinha ainda chegado e a segurança era muito menor. A evolução farmacológica também foi enorme. 

ARSA – Qual o ano da sua entrada para a especialidade? 

IP - Entrei em 1982 e terminei a especialidade em 1986. 

ARSA – E permaneceu em Lisboa até quando? 

IP- Até 1990. Durante os últimos anos, em Lisboa, ainda tive a experiência de trabalhar no Hospital da Marinha, onde era a única médica mulher e anestesista, mas fui muito bem recebida. Gostei imenso de trabalhar naquele Hospital que dispunha de um bloco operatório de enorme modernidade à época. Ao mesmo tempo trabalhava no Hospital D. Estefânia, fazia banco de urgência semanal 24 horas, porque nunca quis deixar o SNS. ​

ARSA – E em 1990 iniciou a sua carreira no Hospital do Espírito Santo de Évora, certo? 

IP – Exatamente. O serviço de anestesiologia existente era um terreno fértil para “construir de raiz” um verdadeiro serviço, com idoneidade formativa para a anestesiologia. 

ARSA – Quando? 

IP – Quando fui nomeada Diretora do serviço de anestesiologia, em 1998, um ano depois estávamos a formar internos (1999). A última vez que contei quantos médicos especialistas formámos, eram 50 (cinquenta). Hoje (sete anos depois) serão seguramente mais. 

Até 2016 fui também diretora do Bloco Operatório. ​

ARSA – E quando integrou a Direção Clínica? 

IP- Em 2016 integro o Conselho de Administração do HESE, E.P.E., até dezembro de 2022. 

ARSA – Como foram estes últimos 6 anos? 

IP – O cargo de Diretora Clínica de um Hospital é um cargo de gestão integrado numa equipe e que requereu tempo para nos ajustarmos e funcionarmos como tal. Para mim foi extraordinariamente motivante estar neste lugar e poder contribuir para o projeto major que era construir de raiz um novo Hospital. 

ARSA – E também passou a pandemia COVID – 19, o que mais a marcou enquanto Diretora Clínica? 

IP – No dia 23 de março de 2020 tivemos o primeiro caso de internamento de doente COVID no HESE. A pandemia apanhou-nos em cheio quando as equipes se encontravam preparadas, pelo facto de não termos sido os primeiros do país. 

ARSA – O que a fez aceitar pela segunda vez o cargo de Diretora Clínica? ​

IP – Aceitei integrar o Conselho de Administração do HESE, exclusivamente, porque íamos ter um novo Hospital Central do Alentejo e o COVID tinha interrompido os nossos esforços nessa área. Foi este o motivo, pois o projeto não estava ainda seguro. Acredito que podemos mudar, para melhor, a vida das outras pessoas, em cada lugar que ocupamos. O novo Hospital trará melhores condições quer de amenidades, quer para o diagnóstico e tratamento dos doentes e para os profissionais que aí trabalham. 

ARSA – Estamos a terminar a nossa entrevista. Teve 34 anos a desempenhar a sua missão de médica no SNS. O que gostaria de deixar como mensagem para os jovens que querem escolher o curso de medicina ou para os médicos internos, que já escolheram e estão no internato médico? 

IP – Com as devidas distâncias geracionais, que podem divergir na forma como entendemos a Saúde, há algo que é transversal e imutável, no meu ponto de vista. Quando escolhemos a Medicina, escolhemos cuidar de toda a população, não de uma elite. Esta é a razão que nos faz escolher esta profissão. Esta forma de vivenciar a Saúde só é possível numa medicina estatal forte. Não quero com isto dizer que o sistema privado não complete o Estado, mas não pode de maneira alguma substituí-lo. Terão de ser complementares.  ​

A mensagem que deixo para as novas gerações de médicos é esta: trabalhamos para todos os estratos sociais. O que pode e o que não pode pagar as despesas de saúde e é essa a nossa missão e devemos fazê-lo com espírito humanista. Um médico abdica de muitas horas da sua vida em família, de lazer, épocas festivas, para prestar cuidados aos doentes, e deve ter a consciência que se o fizer com alma é a melhor profissão que pode escolher para se realizar pessoal e profissionalmente. 

ARSA – Muito obrigada, Dra. Isabel Pita, bem-haja pela sua simpatia e amabilidade em nos receber e muito obrigada pela sua dedicação aos doentes, em especial no Hospital do Espírito Santo de Évora, onde desenvolveu a maior parte do seu percurso profissional. 

IP – Obrigada eu, foi um gosto. ​




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